“Com licença.”
Suspiro.
“Com licença, senhor.”
Murmurando palavras quaisquer, levanto a
cabeça.
“Sim?”
“O senhor não pode dormir aqui.”
Abro os olhos. Uma garota, não mais que 16
anos, olha-me, relutante.
“Ah, sim, desculpe,” digo, juntando minhas
coisas. O caderno se encolhe, amassado, ao lado da caneta aberta. Abraçando a
bandeja, a moça entra no café.
O café esquecido por mim espera, frio.
Tenho certeza de que, se eu parasse para contar, a quantidade de xícaras deixadas
pela metade seria, no mínimo, o dobro das que realmente bebo. Não é fácil lembrar
do café. Não quando penso em ti. Visto o casaco e a bolsa, deixando o dinheiro
entre o pires e a mesa.
O vento é um tanto cruel nessa época do
ano. O outono aqui continua igual. As mesmas folhas caem das mesmas árvores, os
mesmos chapéus cobrindo os mesmos rostos. Há algum tempo que ganhei um certo
gosto por caminhar. Descobri pensar melhor. Quem sabe um dia dos pensamentos eu
crie palavras.
Fecho o guarda-chuva. Trago-o pelo papel,
não por mim. A única meditação maior que caminhar no sol é caminhar na chuva.
Mas o papel não gosta. Guardo as chaves, me despindo do frio. Troco os sapatos
por pantufas. Talvez não seja tão bom assim ir até o café para escrever. Café
sempre me deu sono. Aqui pelo menos ninguém se preocupa se eu e meu corpo
estamos no mesmo lugar. E nunca estamos.
Tenho uma escrivaninha, mas sempre acabo
deitando no sofá para escrever. Escrevo algumas linhas e paro. Viro, penso,
falo, leio, reescrevo. Por algum motivo, eu nunca consegui acertar. Nunca
consegui explicar o brilho dos teus olhos, o sorriso dos teus lábios. Mas nunca
parei de tentar. Nem pretendo.
Abro na página amassada. Dormir em cima do
próprio trabalho é algo que poucos tem coragem de fazer. Eu costumo. E onde
melhor para me lembrar de ti que nos meus sonhos? Em algum lugar, pelo menos,
te encontro.
Desamasso a página. A caneta falha, como
falhou antes. Ou será que fui eu? Como sempre. Tantos cadernos em branco, como
se a nova textura do papel trouxesse as palavras por si só. Mas não. Ainda cabe a mim. Grande ou pequeno,
não cabe em mim. E não por isso deixo de tentar.
“Era noite.” Não. Rasura. “O sol se punha,
deixando o azul claro da noite de verão fechar meus olhos.” E nem tinha sido
noite.
O teto sempre me ouviu. Bons amigos entendem.
Ele é o melhor que eu tenho. Mesmo com suas duas manchas me olhando de volta, o
teto nunca perguntou por quê. E de quê importa?
Fecho os olhos. A caneta continua falha em
cima do papel vazio, como tua voz continua atrás das minhas pálpebras. Ainda leve, sutil, ao meu ouvido. Ainda viva.
No comments:
Post a Comment